O sacerdócio...
Idos de 1972...
Grávida do meu primeiro filho, professora na Escola Rural em Silveiras, Estado de São Paulo.
Por conta de uma interpretação descompassada da lei de acesso ao serviço público pelas autoridades Secretaria da Educação, o pai do meu filho, concursado e exercendo cargo de diretor de escola no Estado, teve o salário suspenso por nove meses, tempo do meu período gestacional. Assim justifica a razão do trabalho naquela Escola Rural e de difícil acesso.
A Escola Isolada, como era denominada, situava-se na propriedade de um rico fazendeiro, pai de quatorze filhos, todos destinados à lida da fazenda.
A princípio, a família relutou ao oferecer moradia à professora assustada naquele fim de mundo do alto da Serra da Bocaina, bem próximo à nascente do Rio Paraitinga, que lá na frente... junta-se ao Rio Paraibuna e forma o garboso Rio Paraíba do Sul.
Ao saber do estado da professora... foi oferecido um quarto na sede da fazenda, com pouco mais de três metros quadrados. O inverno rigoroso congelava a água da bica, mas o quarto não era contemplado com forro, apenas com o sorriso de uma bela roseira, que se esgueirava entre as telhas de barro, para acolher a menina professora com vinte e três anos, geradora de uma vida e ensinante de outras...
O aposento fazia parte da casa grande onde todos moravam. Banho era um luxo impensável. A mim...foi concedido o direito de lavar-me numa pequena bacia, com a água requentada no fogão à lenha. A família usava o lava pés... uma bacia na sala contígua à cozinha onde todos chegavam da roça e lavavam as pontas, antes do jantar, na mesma água. A roupa do trabalho... era a mesma para dormir. Sem banheiro ou privada, o mato recebia os dejetos da população ali residente.
As minhas refeições eram oferecidas, sob pagamento, pela família. A senhora matriarca quando abatia frango, preparava a metade para o almoço e a metade para o jantar, para servir a sua imensa prole. Da cidade eu levava frutas e pães para o meu consumo, mas os ratos sempre encontravam um jeito para compartilhar os produtos diferentes do seu dia a dia.
O prédio da escolinha, construído com pau a pique, à beira da estrada de terra, cercada de altas araucárias, a um mil e oitocentos metros de altitude, recebia, sem água, sem banheiro, sem energia elétrica, alunos das redondezas da série inicial à terceira série. À noite, as aulas eram oferecidas como trabalho voluntário para a alfabetização de adultos de segunda a sábado.
Para chegar à Fazenda, a professora saia de Piquete, onde era a sua residência, chegava até o Bairro dos Macacos, em Silveiras, de jipe, junto com as outras professoras que iam desembarcando pelos caminhos da sinuosa estrada de terra na Serra do Mar. Dos Macacos... até a Escola eram sete quilômetros, feitos no lombo de uma égua que se recusava carregar a passageira nas descidas. O lombo era oferecido somente para as subidas. O trajeto era acompanhado por um menino da fazenda com apenas onze anos. Ali a semana recebia o cenário da professora em meio a um mundo diferente, silencioso, inóspito, coberto pela esperança de um mundo novo onde a Educação pudesse sorrir vitoriosa.
Professora de roça, sem concurso de provas, mas classificada por títulos, não era beneficiada pelos alvores das leis trabalhistas. Sem direito à licença saúde, licença maternidade...me despedi da Escola no oitavo mês de gravidez. O meu filho primogênito, hoje com quarenta e nove anos, nasceu no mês de outubro de 1972.
Depois da minha despedida, o Supervisor de Ensino visitou a Escola e lavrou um belo Termo de Visitas elogiando o trabalho da Professora da Escola do alto da Bocaina, nos ares gélidos da Serra do Mar, onde o céu era mais azul e à noite as estrelas dialogavam com os viventes escondidos entre exuberantes verdes, sem banhos, sem latrinas, iluminados pelas luzes das lamparinas.
A Educação Pública, minha Missão durante quarenta e sete anos.. ainda... é um sacerdócio!
Dedico este texto ao meu amado Filho Antônio José, o meu Primogênito!
Antônio... dedica se à Educação!
Foto by Aldaisa Gonçalves