Era o final do quarto ano primário. Para o acesso ao ginásio necessário seria um exame com provas eliminatórias.
Meus colegas mais abastados frequentavam o curso preparatório para o exame de admissão... pago, oferecido por um casal de professores da mesma escola, cheios de honras e pompas.
Para mim... essa oportunidade, nem pensar!
Inscrever-me para as provas ao sair do quarto ano, sem o curso particular, fazia parte do meu desconhecimento.
A dualidade na Educação reafirmava o espaço alcançado nos tempos atuais. Para pobre um letramento classe"C", para os remediados e ricos classes "B" e "A", educação acadêmica, de qualidade, com vistas ao comando do País.
Como, eu, menina com dez anos, poucos recursos financeiros, representante da plebe brasileira, sem as mãos da família para o encaminhamento aos protocolos e provas, poderia seguir em frente no projeto de continuidade dos estudos ?
Aluna na Escola "Arnolfo Azevedo", em Cruzeiro, palco da assinatura do Armistício da Revolução de 32, tudo via, ouvia e observava... calada!
Escola pública estadual, mas com caracteristicas elitistas, recebia alunos das diversas camadas sociais, porém, os pobres não ultrapassavam a ala "C" na distribuição dos alunos na sala de aula.
Com os alunos sentados na classe, uns atrás dos outros, o processo classificatório , competitivo e determinista, era evidente. Reprodução clara da sociedade brasileira, dominada pelos interesses das elites.
Mas, apesar das estruturas dominantes, alunos recebiam o diploma do Curso Primário, com ares de terminalidade. A primeira formatura despontava para o júbilo de todos.
O cenário não era favorável ao prosseguimento dos estudos da aluninha da classe "C".
"No meio do caminho tinha uma pedra..."
Nesse ínterim, um dia, desapontada deixei a Escola chorando muito, diante das perpectivas desalentadoras.
Foi quando, encontrei a coleguinha Gessy Bessa, da minha classe, também com dez anos, mas da fileira "A".
Gessy me acolheu e me contou sobre a possibilidade de cursar o quinto ano, curso de admissão ao ginásio, gratuito, na mesma escola. Meu mundo sorriu. A esperança reinou. Senti me amparada, vi um mundo novo surgir...
Depois de mais um ano de estudos na mesma escola pública, prestei a prova para o ingresso no curso ginasial. Consegui o quarto lugar na classificação do Instituto Estadual de Educação "Oswaldo Cruz" de Cruzeiro, Estado de São Paulo.
Dessa magnífica Escola saí com o diploma de Professora Primária.
Gessy Bessa partiu cedo para a eternidade.
Gratidão eterna!