CAMPO SANTO
Nos últimos dias, alvoroçados pelas eleições, resolvi revisitar o passado.
Aos quinze anos comecei trabalhar na prefeitura da minha cidade. Estudava no período da manhã no município vizinho e trabalhava no período da tarde. Nada sabia sobre a importância da minha contribuição naquele ambiente onde flutuava ditadura. Nos ares reinantes, ARENA, o partido da governança., enquanto o MDB ensaiava oposição.
Os horrores dos bastidores da política nacional não chegavam à pequena urbe. Sem livros, televisão, rádio censurado....
a vida seguia em linha reta , plena imitação dos trilhos da ferrovia, patrimônio histórico legado pelo Imperador Pedro II.
Na Câmara Municipal modestos debates entrelaçavam as tardes das terças-feiras. Fui designada secretária daqueles eventos. Os dois partidos não discutiam políticas públicas, mas as questões intimistas e contraditórias do interior do pequeno município. A cidade seguia a toada do quase silêncio.
Os vereadores engravatados, sentados enfileirados, voltados para a mesa gestora, sob o cetro do quase centenário Presidente da Edilidade, de vez em quando apresentavam algum projeto. Do meu lugar, sempre ao lado Presidente,
tudo observava e anotava...às vezes, com muito medo quando os ânimos escureciam.
Dentre os poucos opositores estava o Senhor José de Oliveira, branco, baixinho, casado, muitos filhos, briguento. Seu sonho ... transformar o campo de futebol em cemitério. Muito brigou, mas não conseguiu maioria para o seu projeto. De tanto repetir "nóis semos pela desaprovação, senhor presidente", a maioria não aprovava a transformação do único local de lazer em campo santo, embora a petição tivesse percorrido a pauta... muitas vezes.
O tempo passou, o campo de futebol continuou sorrindo e um cemitério privado se instalou no municipio. Tal como a novela Bem Amado, o senhor José de Oliveira foi o primeiro a habitar o Outeiro da Paz!
(José de Oliveira - nome fictício)